2017



Avenida 25 de Abril

Beto Vianna - Jornal O Tempo, 25/04/17

 

A 30 léguas da minha cidade de Aracaju, à beira da antiga estrada de ferro que ligava Palmeira dos Índios (terra de Graciliano) a Porto Real do Colégio (terra dos Kariri-Xocó), fica a cidade de Feira Grande. Chamou-se um dia Mocambo, em deferência à inarredável presença (apesar de nossos brancos esforços genocidas) de quilombolas e ameríndios no baixo curso do rio São Francisco, há séculos, e ainda hoje. Segundo a oficialidade documentada, Feira Grande foi emancipada em 5 de abril de 1954, mas a vox populi não pensa assim, e o aniversário da cidade, de fato, são os 25 de abril. O hino autoriza ao pé da letra a minha opinião forasteira: “Fostes refúgio da escrava fugitiva/ Negra cativa odiada do patrão”, e adiante: “És grande feira, Feira Grande batizada/ Emancipada há vinte e cinco de abril”. A data é comemorada todo santo dia, sempre que as pessoas, os animais e os veículos da cidade desfilam pela avenida 25 de Abril.

Enquanto os feira-grandenses celebram este dia, do outro lado do Atlântico, os nossos irmãos portugueses fazem o mesmo, na mesma data: desde 1974, o dia de hoje marca o fim da ditadura de lá (a daqui começou no 1º. de abril: há quem minta que não). Lá a data também virou nome de travessa: a ponte 25 de Abril, que corta um rio quase tão belo quanto o que corre na minha aldeia, ligando Lisboa (terra de Pessoa) a Al-ma´adan (mina dos Mouros).

A colonização portuguesa no Brasil, e a repatriada de tantos patrícios de lá para cá desde então, rendeu às terras d´aquém e d´além-mar várias cidades de mesmo nome. Três netos meus vivem em Alter do Chão, distrito de Santarém, no Pará. Em outubro, vou a um congresso de línguas portuguesas em Santarém, província de Ribatejo, Portugal e, quem sabe, fujo dos prazeres acadêmicos e gasto meu salário de servidor público em Alter do Chão, vila do distrito português de Portalegre, Alentejo.

Ainda no Pará, nós temos Bragança, de xamânicos cabelos e o rosto que fita Portugal. Eles também têm uma bela Bragança, mas em Trás-os-Montes, e aqui tem Belo Monte, por detrás de Altamira (lá, Altamira não é lá: é na Espanha). Na nossa Barcarena, o povo preto explodiu sem medo, nos tempos da Cabanagem. Na Barcarena deles, boa freguesia de Oeiras, tem o Museu da Pólvora Negra, que por si vale a viagem. Aqui, Belém é a capital paraense, molhada nas águas cheias da baía do Guajará. Em Belém tem Círio de Nazaré (lá, o Círio é em Nazaré). E lá também tem Belém, freguesia do concelho de Lisboa. Mas não é uma freguesia qualquer: em Belém desponta o Monumento dos Descobrimentos, eternizando, às margens do rio Tejo, a primeira viagem de lá até aqui (e o fado triste dos Tupinambá, antigos habitantes Tupi, das matas do Grão-Pará).

Mas chega de falar do Norte, que o Nordeste também é daqui: tem Belém na Paraíba, no Pernambuco e no Piauí. E tem Belém nas Alagoas, que tem também uma cidade por onde passa a avenida chamada 25 de Abril.